jueves, 3 de mayo de 2012

MEPR.- Ex-delegado do DOPS confessa crimes contra a Humanidade

Mais um título irá engrossar a já larga lista de livros e depoimentos efetuados por torturadores e criminosos confessando as atrocidades cometidas no período do gerenciamento militar. Trata-se do volume “Memórias de uma guerra suja”, do ex-delegado do famigerado Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) do Espírito Santo Cláudio Antônio Guerra. O livro, que é fruto de depoimentos de Guerra aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, traz uma série de confissões de alguém que agora se diz “arrependido”. Assassinatos, torturas e incineração de cadáveres, com descrições de episódios que passariam como sendo do campo de concentração de Auschwitz, a não ser por uma única –e essencial –diferença: ocorreram no Brasil.

A típica trajetória de um carrasco:

Estamos acostumados a ver, na história oficial do País e nos monopólios de imprensa, as Forças Armadas e policiais serem apresentadas como “corretas” e “decentes” defensoras da “ordem e dos bons costumes”, da “Pátria” e da “família”, uma ladainha que apesar de vulgar, e fascista em seu conteúdo, não nos enganemos, segue iludindo a muitos e gozando de considerável parcela da opinião pública. Sobretudo em dias em que a Polícia é apresentada como solução para todos os males, incluindo aqueles sociais e de saúde pública.
Pois bem. Quem eram, na verdade, os ditos “heróis” que teriam “defendido a Pátria” da “ameaça comunista”?
Eram simplesmente matadores profissionais, viciados em drogas, estupradores depravados, numa palavra, a escória mais imunda de nossa sociedade. Assim era Sérgio Paranhos Fleury, recrutado pelos órgãos militares por sua “eficaz” atuação junto aos Esquadrões da Morte em São Paulo, torturador que fez fama por sua crueldade e por ter enriquecido com dinheiro arrecadado a empresários para financiar a máquina de morte do regime militar. Assim é, por exemplo, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, julgado por vários assassinatos após o término do regime militar, que “herdou” o garimpo de Serra Pelada. Assim é, também, esse tal Cláudio Guerra.

Quando deslocado para o DOPS do Espírito Santo, este senhor já havia cometido –como assume no livro –mais de 40 assassinatos em Minas Gerais, todos ligados à defesa do latifúndio contra o movimento camponês em ascensão no início dos anos 60. Chegando ao Espírito Santo, no início dos anos 70, comete mais 35 execuções contra presos de direito comum. Segundo o próprio Guerra, “Se lá (em Minas) servi às elites rurais, (aqui) no Espírito Santo prestei serviço às suas elites políticas”.
Essas as credenciais “ideológicas” satisfatórias para ingressar no quadro de combate à “subversão”. Não falamos de soldado raso: falamos de um delegado do DOPS. Por aí já vemos a infâmia, a indecência daqueles que, ainda hoje, pretendem sustentar a tese da “revolução democrática de 64”, chegando a apelar –vejam só –até para o Estatuto do Idoso, como fizeram os milicos após serem escrachados em frente ao Clube Militar do Rio de Janeiro, no último dia 29 de março! Sim, aqueles que violaram a Carta da ONU e o Estatuto de Nuremberg precisam agora apoiar-se em seus cabelos brancos, com medo da fúria de nosso povo...

Corpos incinerados:

No livro, Guerra diz ter sido responsável pela incineração dos corpos de 10 militantes revolucionários assassinados sob tortura nas masmorras do regime militar. Antes de mais nada, é preciso ressaltar a necessidade de muita cautela antes de dar por encerrado esses casos –e logo as buscas. A opinião de um facínora pode ser até uma evidência, mas não uma prova. Somente uma investigação séria, supervisionada pelos familiares, pode merecer toda credibilidade. Em todo caso, esses militantes que tiveram seus corpos queimados teriam sido, segundo o autor e réu confesso:

- João Batista e Joaquim Pires Cerveira, presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury;
- Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva, “a mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”;
- David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) , João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do PCB;
- Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).

Todos constam atualmente da lista de mortos e desaparecidos.
Segundo Guerra, a incineração dos corpos teria ocorrido na usina de cana-de-açúcar Cambahyba, em Campos, de propriedade do ex-vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro. Por seus serviços, Heli Ribeiro, que também foi deputado federal e filiado à ARENA e ao PFL –hoje DEM –teve abertura de crédito e outras benesses ofertadas pelos militares. Tal atrocidade teria ocorrido no ano de 1973, sob o governo Médici. Segundo Guerra, a usina teria sido “vistoriada” e aprovada pelo coronel do Exército Freddie Perdigão Pereira, que trabalhava então para o Serviço Nacional de Informações (SNI) e pelo comandante da Marinha e então agente do Centro de Informações da Marinha (CENIMAR) Antônio Vieira. Ambos já faleceram.

 

À época, a história contada foi a de que Fleury teria caído de uma lancha em Ilha Bela, e morrido afogado. Segundo Guerra, no entanto, o facínora teria sido dopado e golpeado com uma pedra antes de ter sido lançado ao mar.

Também por queima de arquivo, teria sido assassinado o jornalista Alexandre Von Baumgarten, dono da revista “O Cruzeiro”. No livro, Guerra também admite participação no atentado frustrado no Rio Centro, aonde um grupo de militares opostos à chamada “abertura política” planejavam explodir três bombas no show comemorativo de 1º de Maio e incriminar as organizações de resistência ao regime. Segundo o autor, além de Freddie Perdigão (SNI) e Antônio Vieira (Cenimar), Brilhante Ustra, que está vivo e atuante nos círculos de direita, também teria comandado a operação terrorista. Além desses crimes, em outra passagem Guerra também confessa ter sido frustrado um plano para executar Leonel Brizola.

Aqui se faz, aqui se paga: o exemplo de Nuremberg

Atualmente, Cláudio Guerra, que se diz arrependido, tem duas condenações de crimes bárbaros cometidos após sua saída do DOPS: uma pelo assassinato do bicheiro Jonathas Borlamarques de Souza, que lhe custou sete anos de prisão, e outra –a 18 anos, que está suspensa judicialmente –pelo assassinato de sua primeira esposa e de sua cunhada.

Tais crimes, brutais, porém de direito comum, lhe custaram condenações e prisão. Crimes hediondos, cometidos contra militantes revolucionários no contexto da repressão política, entretanto, provavelmente não lhe acrescentarão um dia sequer de cadeia, apesar de o réu ser confesso. Essa é a face realmente absurda, para não dizer monstruosa, da Lei de Anistia, a última palavra da suposta “reconciliação nacional”!
Já na repercussão da divulgação do livro, com muita propriedade, a membro do Grupo Tortura Nunca Mais Rose Nogueira afirmou: “É o Auschwitz do Brasil. Os militares usaram métodos nazistas, como a tortura, e agora vemos que houve também a incineração”.

Sim, métodos típicos de Auschwitz. Aliás, data do fim da II Guerra Mundial e dos famosos Julgamentos de Nuremberg toda uma legislação internacional a respeito de crimes contra a Humanidade, tais como tortura, assassinato e desaparecimento forçado, crimes esses considerados atualmente imprescritíveis e impassíveis de anistia. É fato histórico, aliás, que os carrascos nazistas levados pelos Aliados a Nuremberg foram devidamente julgados, processados e condenados. Dos réus, 12 foram condenados à morte por seus hediondos crimes. E ninguém, exceto meia dúzia de lunáticos saudosos de Hitler, lamenta ou entende por absurda essa sentença.
No nosso país, dito “democrático”, passadas mais de duas décadas do fim do gerenciamento terrorista civil-militar, aqueles que estudaram e aplicaram com esmero os manuais da GESTAPO de Hitler –traduzidos e atualizados pela CIA –seguem impunes, mesmo tendo admitido seus crimes. Sim, os nazistas tupiniquins, a serviço da subjugação nacional pelo imperialismo ianque, foram anistiados, sem ter sido nunca sequer processados.

A título de registro, aliás, gostaríamos de encerrar esta matéria lembrando um episódio pouco conhecido de nossa história. No dia 9 de outubro de 1946, durante sessão da Assembléia Constituinte, o reacionário historiador Gilberto Freyre (constituinte pela UDN de Pernambuco) subiu à tribuna para protestar, “em nome da consciência universal cristã”, contra a pena de morte imposta aos criminosos nazistas julgados em Nuremberg. Indignado, Maurício Grabois, dirigente da bancada do Partido Comunista do Brasil, reagiu prontamente e afirmou:

“A clemência para com esses bandidos nazistas em Nuremberg poderá significar, para o futuro, a morte de milhões de homens livres”.
Sábias palavras. Atuais também.

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