lunes, 1 de octubre de 2012

MEPR.- Luta pela punição dos crimes do regime militar

A “Casa de Deus” da Legião Urbana

Esse é o significado do título da brilhante canção da Legião Urbana intitulada “La Maison Dieu”, do último álbum com canções inéditas da banda, “Uma Outra Estação”, de 1997, lançado já após a morte de Renato Russo. Infelizmente, segue sendo uma das músicas menos conhecidas da banda. Sabe-se que os militares mantiveram inúmeras “casas” de tortura, oficiais ou clandestinas, tais como a “Casa da Morte” em Petrópolis ou a “Casa Azul” no Araguaia. É provável que disso tenha derivado o título da música.
 Nessa canção, a Legião discute o problema do regime militar, e o desenvolvimento da letra nos leva a refletir sobre duas questões fundamentais, e que guardam uma enorme importância na atualidade, isto é, quando a luta pelo esclarecimento e punição dos crimes do regime militar adquirem crescente clamor popular: a primeira, de que não basta apenas esclarecer, há que punir; a segunda, de que seguimos vivendo numa falsa democracia.

Sobre a primeira questão, diz-se na letra:

“Eu sou a lembrança do terror

De uma revolução de merda

De generais e de um exército de merda

Não, nunca poderemos esquecer

Nem devemos perdoar

Eu não anistiei ninguém”

Como é característico nas letras do Renato Russo e na melodia das canções, há uma combinação –muito difícil de ser feita –entre a simplicidade na forma, permitindo uma comunicação rápida com o ouvinte, gerando uma identificação quase instantânea com o que se diz, com a profundidade no conteúdo e a preocupação literária mesmo –que é rigorosa –com a mensagem que se quer transmitir. Nesse trecho curto, que destacamos, cabem várias conclusões: a primeira, óbvia, de que não devemos perdoar nem anistiar; em segundo lugar, ao dizer “eu não anistiei ninguém” há também, implícita, a denúncia de que não fomos, isto é, a sociedade brasileira, consultados sobre anistia nenhuma, que se tratou de um acordo por cima da vontade popular; e, finalmente, há que se destacar o vigor de chamar generais de merda e exército de merda, o que torna a letra da Legião Urbana muito mais contundente, e conseqüente, no seu protesto, do que muitos indivíduos e organizações pretensamente “marxistas” que não perdem tempo em ressaltar uma suposta “natureza democrática das Forças Armadas” –verdadeira mentira histórica, sob quaisquer pontos de vista.

Quanto à segunda questão, do caráter dessa “democracia” em que vivemos, a letra não é menos contundente:

“Abra os olhos e o coração

estejamos alertas

Porque o terror continua

Só mudou de cheiro

E de uniforme”


Aqui também, quando se diz que o terror continua, só mudou “de cheiro e de uniforme”, se está dizendo claramente que para o povo nada mudou, saíram as fardas do Exército e entraram os ternos e gravatas dos políticos “democraticamente eleitos”, ou as fardas menos reluzentes das polícias, mas a opressão é a mesma. É claro, não?

Não é só pelo valor intrínseco da letra que devemos exaltar esse protesto da Legião Urbana. É também pelo contexto em que foi produzida. Vemos que somente de uns poucos anos pra cá essa discussão tem tomado contornos de verdadeiro movimento de massas, que apesar de tudo ainda tem muito a crescer –e com certeza o fará. Naquele momento, ou seja, há 15-16 anos atrás essa ainda era uma discussão restrita aos círculos de familiares e militantes mais conseqüentes, já que as organizações chamadas de “esquerda” haviam capitulado completamente ante o inimigo e degenerado nas maiores defensoras da “Lei de Anistia”. Além disso, ia-se na metade dos difíceis anos de 1990, auge da ofensiva ideológica contrarrevolucionária. Mesmo os artistas que nos anos 80 haviam minimante se preocupado com os destinos e a luta de nosso povo, ou caíam no esquecimento ou se vendiam para sobreviver. Exatamente aí, nesse contexto, a banda lança essa canção-protesto. Não tendo sido jamais Renato Russo um revolucionário, isso ressalta mais ainda a conseqüência de sua posição sobre o tema.
Por que a Legião Urbana segue fazendo sucesso?

Mesmo passados dezesseis anos da morte de Renato Russo, e da conseqüente dissolução da Legião Urbana, esta segue sendo um fenômeno de venda de discos e reprodução das suas canções. Consegue, o que é algo bastante raro, renovar o seu público, não a um círculo restrito, de pessoas que estudam música, mas massivamente. O gosto pela banda se transmite de pais para filhos. A potência das suas canções, a sua permanência entre o público, mesmo sem ter sido jamais uma banda que apelasse para os monopólios de comunicação, mesmo quando estava no auge, reside justamente no conteúdo do que se diz, na atualidade das suas letras, retratando com senso crítico o dia-a-dia, os conflitos cotidianos sobretudo da juventude das grandes cidades brasileiras –trata-se realmente de uma música essencialmente “urbana”. É importante que se remarque isso: a Legião Urbana, embora atingindo um grande público, jamais fez música para agradar gravadoras e tocar em novela. Sabe-se, por exemplo, que detestavam gravar vídeo-clips e mesmo as apresentações ao vivo eram raras. Talvez por isso nunca tenham feito, também, sucesso entre os críticos musicais dos jornalões. Claro que após a morte de Renato Russo, subitamente, como acontece normalmente, o quadro se reverteu e se tornou então uma “unanimidade”...
 Pode-se discutir o lugar que a Legião Urbana ocupa entre as mais importantes manifestações musicais de nosso país, mas será difícil negar que ocupe aí um lugar. E isso é um alento. Diante do que se tem imposto à juventude de nosso país, diante dos Michel Teló, diante dos funk’s ou pagodes monstruosos, ou do rock and roll do tipo “sexo e drogas” copiando descaradamente os modelos norte-americanos, ou seja, diante dessa arte decadente que foi muito bem caracterizada como a “estética da barbárie”, nessa comparação, salta aos olhos como a Legião Urbana segue prestando um grande serviço para milhões de jovens, pelo simples fato de ser uma música que tem por objetivo declarado fazer refletir. Por isso a Legião Urbana dura, porque tem qualidade nas suas melodias e letras, enquanto os “queridinhos da vez” dos monopólios de imprensa e das gravadoras não passam de material descartável, que somem com a mesma velocidade com que apareceram.

O que é bom, definitivamente, não morre jovem. Na verdade, o que é bom permanece vivo, rejuvenescido pela beleza da sua atualidade.

Abaixo, link para um vídeo da música ilustrado com fotos do período do regime militar:
 

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